Dia Mundial da Obesidade: urgente reconhecer o impacto da obesidade na saúde e garantir um acesso equitativo a terapêuticas eficazes
Obesidade: definição, epidemiologia, fisiopatologia e custos
A obesidade é uma doença crónica e recidivante, caracterizada por um excesso de tecido adiposo, com efeitos negativos na saúde, aumentando o risco de complicações clínicas a longo-prazo e reduzindo a esperança média de vida em até 14 anos.1 Está na origem da inúmeras doenças, incluindo a diabetes tipo 2 (fração atribuível à obesidade: 79,4% 2), doença cardíaca isquémica (fração atribuível à obesidade: 35,8%) acidente vascular cerebral isquémico e hemorrágico (fração atribuível à obesidade: 42,8% e 62,9%, respetivamente).3
A obesidade é uma doença complexa e multifatorial caracterizada por uma desregulação do balanço energético, tipicamente causada por um padrão alimentar em que o aporte calórico é superior às calorias despendidas, tendo o cérebro um papel central neste processo. Tanto estruturas conscientes, como o córtex frontal, estruturas subconscientes, como o hipotálamo e a área mesolímbica, estão envolvidos na regulação do balanço energético.4 Várias alterações hormonais e metabólicas que ocorrem com a perda de peso potenciam um aumento compensatório do aporte calórico e uma redução do gasto energético com consequente reganho de peso. Desta forma, abordagens terapêuticas centradas apenas na modificação do estilo de vida têm um sucesso reduzido a médio e longo prazo. Em média, 3-5 anos após uma intervenção para perda de peso baseada em modificação do estilo de vida, os doentes com obesidade reganham mais de 80% do peso inicialmente perdido.5
Atualmente, a Obesidade (IMC-índice de massa corporal superior a 30 Kg/m2) tem uma prevalência de 28,7% entre os cidadãos portugueses com idades compreendidas entre os 25 e os 74 anos. Quando olhamos para a conjugação da prevalência da obesidade com o pré-obesidade, a percentagem de população portuguesa afetada atinge os 67,6%.6
Na idade pediátrica a situação também é preocupante, sendo que a obesidade afeta cerca de 11,9% das crianças portuguesas e 29,7% têm excesso de peso (pré-obesidade ou obesidade).7 Um adolescente com obesidade tem cerca de 80% de probabilidade de ser um adulto com obesidade8.
De acordo com o relatório The Heavy Burden of Obesity – The Economics of Prevention da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), em Portugal, 10% da despesa total da saúde é utilizada para o tratamento de doenças relacionadas com o pré-obesidade, uma percentagem superior à média dos países da OCDE (8,4%), valor que representa 3% do Produto Interno Bruto. De acordo com o mesmo relatório, estima-se que, entre 2020 e 2050, o excesso ponderal e as doenças associadas, possam vir a contribuir para uma diminuição da esperança média de vida em cerca de 2,2 anos.9
As projeções do Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME) para 2030 em Portugal, indicam que do total de óbitos projetados, a percentagem atribuível a pré-obesidade e obesidade será de 11,99% (IC95: 7,40-17,80), ultrapassando o tabagismo, cuja percentagem projetada de óbitos atribuível será de 11,07%10.
Diversos estudos demonstram que a obesidade está associada ao gradiente social, sendo mais prevalente nas classes sociais mais desfavorecidas e com níveis de escolaridade mais baixos. Em Portugal, esse efeito é manifestamente intenso: a prevalência de obesidade é cerca do triplo nos indivíduos com menor nível educacional (38,5% nos indivíduos com 4 ou menos anos de escolaridade vs 13,2% nos indivíduos com 12 ou mais anos de escolaridade).11
Tratamento da obesidade
A abordagem nutricional isolada pode atingir perdas de peso significativas a curto prazo, mas demonstra-se pouco sustentável no longo prazo na maioria dos doentes9. A restrição calórica crónica afeta as vias endócrinas e neurológicas de controlo do apetite, gerando frequentemente um efeito rebound, que se traduz num aumento do aporte calórico e consequente reganho de peso12. Assim, o tratamento eficaz da obesidade tem que incluir intervenções específicas que promovam a perda de peso e previnam o reganho de peso. As intervenções no estilo de vida devem ser mantidas no longo prazo, mas são insuficientes para normalizar o peso na maioria dos doentes com obesidade. Existem duas opções eficazes nestes casos: tratamento médico com fármacos que promovam a perda de peso e tratamento cirúrgico (cirurgia bariátrica), ambos como complemento de uma dieta reduzida em calorias e de um aumento da atividade física.
A abordagem farmacológica pode aspirar perdas médias de peso de 6-8%, após um ano de tratamento. No entanto, a investigação na área da obesidade tem sido muito ativa nos últimos anos, sendo muito provável que em breve estejam disponíveis novos fármacos com um impacto ainda mais marcado na perda de peso.
De acordo com as orientações da Direção-Geral da Saúde, a cirurgia bariátrica está recomendada em doentes com IMC ≥35 com pelo menos uma comorbilidade associada à obesidade, ou para doentes com IMC≥40, com ou sem comorbilidades13. A cirurgia bariátrica é muito eficaz no primeiro ano, sendo atingidas perdas de peso médias superiores a 25% e melhoria significativa de vários fatores de risco cardiovascular, como a hiperglicemia, a hipertensão ou a dislipidemia. Com o passar dos anos, alguns doentes voltam a ter ganho de peso14.
Para além do peso, o tratamento eficaz da obesidade resulta também em:
• Reversão da pré-diabetes.
• Reduções significativas da pressão arterial (PA) sistólica e diastólica, do colesterol LDL e triglicéridos, da proteína C reativa (PCR) e do perímetro abdominal. 15 16
• Remissão da diabetes tipo 2.
• Reversão da esteatose hepática não-alcoólica (NASH) 19 20
• Redução de sintomatologia em doentes com patologia osteoarticular, sobretudo da anca e joelho21.
Em resumo, a obesidade é uma doença crónica e recidivante, com um impacto muito significativo não só no individuo, mas também na Sociedade. O tratamento da obesidade, a par de uma dieta reduzida em calorias e de um aumento da atividade física, pode requerer tratamento farmacológico ou cirúrgico. O combate a esta doença é prioritária, sendo urgente o aumento da literacia em saúde e a implementação de programas de saúde pública de promoção de vida saudável. Atendendo ao atingimento de forma desproporcional pela obesidade das classes socioeconómicas mais desfavorecidas, é essencial reduzir a iniquidade social no acesso a tratamentos eficazes para a obesidade, contribuindo para um país mais saudável, menos vulnerável e assimétrico, travando a progressão desta doença crónica.
Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade
Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo
Referências:
1 PLoS Med. 2014 Jul 8;11(7):e1001673. doi: 10.1371/journal.pmed.1001673. eCollection 2014 Jul.
2 Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência (CEMBE), Evigrade-IQVIA e Sociedade Portuguesa. Estudo da Obesidade (SPEO). Estudo “O Custo e a Carga do Excesso de Peso e Obesidade em Portugal”. Outubro de 2021.
3 Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência (CEMBE), Evigrade-IQVIA e Sociedade Portuguesa. Estudo da Obesidade (SPEO). Estudo “O Custo e a Carga do Excesso de Peso e Obesidade em Portugal”. Outubro de 2021
4 Lau DCW, Wharton S. Canadian Adult Obesity Clinical Practice Guidelines: The Science of Obesity. Available from: https://obesitycanada.ca/guidelines/science . 5 Nordmo M, Danielsen YS, Nordmo M. The challenge of keeping it off, a descriptive systematic review of high-quality, follow-up studies of obesity treatments. Obes Rev. 2020 Jan;21(1):e12949.
6 Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência (CEMBE), Evigrade-IQVIA e Sociedade Portuguesa. Estudo da Obesidade (SPEO). Estudo “O Custo e a Carga do Excesso de Peso e Obesidade em Portugal”. Outubro de 2021.
7 https://www.insa.min-saude.pt/childhood-obesity-surveillance-initiative-cosi-portugal-relatorio-2019/
8 Simmonds, M., Llewellyn, A., Owen, C. G., and Woolacott, N. (2016) Predicting adult obesity from childhood obesity: a systematic review and meta-analysis. Obesity Reviews, 17: 95– 107. doi: 10.1111/obr.12334.
9 Bloom DE, Cafiero ET, Jané-Llopis E, Abrahams-Gessel S, Bloom LR, Fathima S, et al. The Global Economic Burden of Noncommunicable Diseases. Geneva: World Economic Forum; 2011
10 Freitas MdG, Quitério MdF, Garcia AC, Felício MM, Matos C, Martinho C, et al. Plano Nacional de Saúde 2021-2030. Saúde Sustenável: de tod@s e para tod@s. Versão preliminar para consulta pública. Lisboa: Direção-Geral da Saúde; 2022.
11Lopes C, Torres D, Oliveira A, Severo M, Alarcão V, Guiomar S, et al. Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física IAN-AF 2015-2016. Relatório de resultados. Porto: Universidade do Porto; 2017. Disponível em: www.ian-af.up.pt.
12 Brown J, Clarke C, Johnson Stoklossa C, Sievenpiper J. Canadian Adult Obesity Clinical Practice Guidelines: Medical Nutrition Therapy in Obesity Management. Available from:
https://obesitycanada.ca/guidelines/nutrition. Accessed 22 January 2023
13 http://nocs.pt/wp-content/uploads/2016/03/DGS-Orienta%C3%A7%C3%A3o-Boas-pr%C3%A1ticas-na-abordagem-do-doente-com-obesidade-eleg%C3%ADvel-para-cirurgia-bari%C3%A1trica.pdf
14 Cooper TC, Simmons EB, Webb K, Burns JL, Kushner RF. Trends in Weight Regain Following Roux-en-Y Gastric Bypass (RYGB) Bariatric Surgery. Obes Surg. 2015;25:1474–81
15 Garvey, W.T., Batterham, R.L., Bhatta, M. et al. Two-year effects of semaglutide in adults with overweight or obesity: the STEP 5 trial. Nat Med 28, 2083–2091 (2022). https://doi.org/10.1038/s41591-022-02026-4
16 July 21, 2022 N Engl J Med 2022; 387:205-216 DOI: 10.1056/NEJMoa2206038
17 Diabetes Metab Res Rev. 2018 Oct;34(7):e3025. doi: 10.1002/dmrr.3025. Epub 2018 Jun 8.
18 The Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism, Volume 98, Issue 11, 1 November 2013, Pages 4391–4399, https://doi.org/10.1210/jc.2013-2538
19 N Engl J Med 2021; 384:1113-1124 DOI: 10.1056/NEJMoa2028395
20 Diabetes Care. 2018 Feb;41(2):368-371. doi: 10.2337/dc17-0738. Epub 2017 Nov 20.
21 Arthritis. 2012;2012:504189. doi: 10.1155/2012/504189. Epub 2012 Dec 3.